quarta-feira, 19 de maio de 2010

A REPÚBLICA NO BRASIL

O MANIFESTO REPUBLICANO
Corria o ano de 1870 quando os republicanos publicaram o seu Manifesto, que reuniu intelectuais e políticos de diversas províncias e fez surgir inúmeros partidos republicanos - os PRs - organizados por província. Apesar das várias tendências presentes no movimento republicano, dois elementos unificavam as posturas que se juntaram no Manifesto de 1870: a idéia de federação e a idéia de progresso.
O princípio da federação estabelecia que cada província deveria escolher seu próprio governo e decidir sobre ele. Uma das críticas do Manifesto à monarquia era justamente a excessiva centralização política do Império, especialmente a partir de 1840.
E essa excessiva centralização não conseguira resolver os constantes problemas regionais, que apareciam sob forma de motins ou rebeliões.
O federalismo era colocado como um princípio natural, já que “a topografia do nosso território, as zonas diversas em que ela se divide, os climas vários e as produções diferentes, as cordilheiras e as águas estavam indicando a necessidade de modelar a administração e o governo local, acompanhando e respeitando as próprias divisões criadas pela natureza física e impostas pela imensa superfície do nosso território ” (Manifesto Republicano).
Ao mesmo tempo, os republicanos identificavam a Monarquia com o atraso econômico do país e defendiam a República como o regime do progresso.
O Manifesto ganhou muitos adeptos: a imprensa, os clubes e os partidos republicanos (que se multiplicaram). Além dos estudantes e profissionais liberais, os grandes proprietários paulistas ligados ao café também apoiavam o movimento, sendo a base do Partido Republicano Paulista (PRP) uma das mais atuantes.
São Paulo tornara-se a mais próspera região cafeeira do Império, mas a rigidez e a centralização da Monarquia impediam que seus interesses predominassem politicamente.
Também os militares engrossavam a fila dos republicanos, especialmente os oficiais do Exército, que consideravam sua corporação desprestigiada pela Monarquia.
A partir do Manifesto, o movimento republicano pode ser dividido basicamente entre dois grupos de idéias.
O primeiro grupo - liderado por Quintino Bocaiúva, principal redator do Manifesto propunha a implantação pacífica da República. Esse grupo, composto basicamente pelos cafeicultores paulistas, acreditava que, por meio de reformas no regime imperial, seria possível chegar progressivamente ao regime republicano.
Um segundo grupo - liderado por Silva Jardim - desejava uma revolução popular que instaurasse o novo regime, mas suas idéias foram consideradas radicais e combatidas pela direção do Partido Republicano.
SIMBOLOGIA REPUBLICANAA República necessitava não apenas de um pacto político. Precisava também tocar os corações de todos os brasileiros, ou melhor, “formar suas almas”, como disse um historiador. Para isso, nada melhor do que interpretar e reconstruir o passado segundo os seus objetivos. Nada melhor do que criar um conjunto de símbolos.
Na construção da simbologia republicana, também esteve presente o conflito entre as diversas facções políticas. A corrente positivista obteve algumas vitórias importantes. A mais significativa delas aconteceu no episódio da mudança de um importante símbolo nacional: a bandeira.
No dia da proclamação da República, alguns republicanos empunharam pelas ruas da capital uma bandeira semelhante à norte-americana, com faixas horizontais nas cores verde e amarela, que ficou conhecida como “bandeira americana”. Os positivistas não gostaram e conceberam uma nova, que tivesse maiores ligações com a nossa história. O modelo positivista tomou por base a bandeira imperial. Conservaram o fundo verde, o losango amarelo e a esfera azul. Retiraram da calota os emblemas imperiais: a cruz, a esfera militar, a coroa, os ramos de café e tabaco. As estrelas que circulavam a esfera foram transferidas para dentro da calota. A principal inovação, que gerou maior polêmica, (...) foi a introdução da divisa “ordem e progresso” em uma faixa que, representando o zodíaco, cruzava a esfera em sentido descendente da esquerda para a direita.
Apesar das resistências de alguns liberais, a bandeira positivista foi adotada como oficial ainda em novembro de 1889. A mais importante construção simbólica republicana foi, no entanto, a recuperação da figura de Joaquim José da Silva Xavier - o Tiradentes, propositadamente esquecido na época imperial.
A monarquia, como sabemos, construíra em torno de D. Pedro I a aura de herói da independência.
Mas, no final do Império, a história do Tiradentes mártir da luta contra o domínio português já havia sido recuperada pelos republicanos. Surgira, no Rio de Janeiro, o Clube Tiradentes, que passara a cultivar a memória do herói. Todos os anos, no dia 21 de abril, data do enforcamento de Tiradentes, seu nome e seu sacrifício eram relembrados. Nas homenagens, muitas vezes, utilizava-se a imagem do herói como o Cristo crucificado. Com a República, a data se transformaria em feriado nacional, e essa imagem seria reforçada. José Murilo de Carvalho, com base em jornais de época, assim descreve as homenagens prestadas a Tiradentes no feriado de 21 de abril de 1890:
O préstito saiu dos arredores da Cadeia Velha, em que Tiradentes estivera preso, prosseguiu até a Praça Tiradentes e daí até o Itamaraty, onde Deodoro saudou os manifestantes. Acompanhavam o desfile representantes dos clubes abolicionistas e republicanos, (...) e, em destaque, os positivistas, levando em andor um busto do mártir esculpido por Almeida Reis. (...) Era a celebração da paixão (Cadeia Velha), morte (Praça Tiradentes) e ressureição (Itamaraty) do novo Cristo. (José M. de Carvalho, A formação das almas, p. 64-65)
A criação da figura de Tiradentes como herói cívico deu resultado. Sua imagem firmou-se no imaginário popular. Para isso, contribuíram os fatos de ele nunca ter exercido violência
contra outras pessoas, de ter sido vítima de uma traição de Silvério dos Reis, o novo judas, e de ter assumido toda a culpa da conspiração. Tudo isso (...) calava profundamente no sentimento popular, marcado pela religiosidade cristã.
Na figura de Tiradentes todos podiam identificar-se, ele operava a unidade mística dos cidadãos, o sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a independência ou a república. Era o totem cívico. Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e as classes sociais, não dividia o país, não separava o presente do passado nem do futuro. (José Murilo de Carvalho, A formação das almas, p. 68)